Religião, Moralidade e Ciência, ou porque sou ateu
Hiroshima após a explosão nuclear. Graças a deus?
Religião ou a crença em um criador supernatural supremo são sempre assuntos complexos e delicados uma vez que, invariavelmente, estão ligados à duas coisas: memórias afetivas da infância, normalmente vinda dos pais ou avós, e a necessidade de uma explicação confortável para nossa existência e finitude.
Todavia, para mim religião, moralidade e ciência são irreconciliáveis.
Passei por três fases na minha vida mística: ateu convicto; busca por algo religioso, que acabou desembocando no judaísmo; e retorno ao ateísmo.
Sempre me considerei racional, aderente aos métodos científicos modernos, e lógico.
Desta forma, vejo três pontos cruciais que me impedem de acreditar em narrativas mitológicas supernaturais:
1. Deuses dos buracos de conhecimentos
Culturas humanas precisam dar sentido lógico aos seus “buracos” de conhecimento, partindo do animismo que explica fenômenos naturais básicos, aos deuses mais sofisticados e abstratos, como é o deus das religiões monoteístas.
Só que isso traz alguns problemas lógicos básicos.
O primeiro é explicar de forma consistente, já que deus criou tudo, quem criou deus? Quem é o Deus de deus?
Depois há evidências científicas que explicitam as inúmeras e profundas inconsistências arqueológicas, históricas e científicas dos livros sagrados.
Por exemplo, a fuga do Egito nunca aconteceu, nem o dilúvio de Noé, nem há provas incontestes que Jesus existiu e por aí vai.
Como conciliar um texto primitivo de 3.000 anos com o Big Bang e medições objetivas da idade do Universo e da Terra? Usar o argumento da "metáfora" já não resolve mais a total incompatibilidade com os fatos.
A ciência e nosso conhecimento atual sobre o Universo e a origem da vida fazem narrativas religiosas, mesmo as monoteístas, parecerem lendas primitivas, exatamente como olhamos de forma condescendente as lendas animistas indígenas.
2. Narcisismo e Lógica Cruel
Assumindo que deus exista e seja onisciente, onipotente e onipresente, temos dois problemas, sendo um muito grave.
O mais simples é narcisismo: acho extremamente pretensioso e arrogante acreditar que fomos feitos à imagem e semelhança de um deus que fica prestando atenção à todos nossos atos, numa espécie de contabilidade eterna do mal e do bem.
Além disso, nossos corpos depõem contra as tais onisciência e onipotência: somos uma “máquina” biológica com defeitos graves de fabricação, doenças e fraquezas em demasia. Isso é o melhor que ele soube fazer? A Apple faria bem melhor.
O segundo ponto, muito mais grave, é a total falta de lógica divina de deus.
Se ele tudo pode e tudo sabe, por que mata 5 milhões de crianças POR ANO? Sim, morrem 5 milhões de crianças com menos de 5 anos de vida todos os anos, no mundo tudo.
Por que tanta crueldade?
Por que ele criou doenças terríveis incuráveis, inclusive para crianças recém-nascidas? Por que ele mata tantas mães jovens? Por que ele deixa crianças inocentes terem leucemia? Por que ele mata milhares de pessoas em acidentes trágicos todos os anos?
Se o avião chega com segurança, é sempre “graças a deus!”. Se há um acidente e morre todo mundo, não seria também “graças a deus!”? Ou é tudo ele, ou não é...
O cristianismo tem um exemplo perfeito de inconsistência lógica básica: deus cria tudo, inclusive os pecados, depois mata seu filho Jesus de forma cruel para nos salvar dos pecados que ele mesmo criou!
Pode isso, Arnaldo?
A resposta tautológica dos crentes é inaceitável, uma vez que se deus escreve certo por linhas tortas, ele é de uma crueldade infinita e inaceitável, sem nenhuma razão ou lógica aparente.
Ainda bem que ele nos ama…
3. Inconsistência Moral
A esmagadora maioria dos crentes vive um dilema moral constante: eles escolhem, sem exceção, no que acreditar e quais regras religiosas seguir.
Mesmo os mais ortodoxos escolhem o que e como seguir dentre os preceitos e mandamentos religiosos.
Para mim isso é inaceitável, pois normalmente pessoas religiosas se acham moralmente superiores aos ateus.
Moralidade não é exclusiva das religiões, nem mesmo foi inventada ou codificada por elas. Pelo contrário, moralidade é uma característica inata da espécie humana e fundamental para nosso desenvolvimento, enriquecimento e vida pacífica em sociedade. Culturas com baixa moralidade normalmente são mais pobres e violentas, independentemente do seu nível religioso. Basta ver o Brasil, com 89% da população crente, para confirmar a falta de correlação entre moralidade, ética e religião. Ou não?
No limite, ao escolherem o que seguir dentre os rígidos e dogmáticos preceitos de suas religiões, as pessoas mentem para si mesmas, praticam autoengano permanentemente e se colocam em posição moralmente indefensável.
Basta ver o que as três religiões monoteístas dizem sobre o homossexualismo, de forma explícita e sem rodeios, para ficarmos profundamente chocados com a mera existência de homossexuais crentes. Para eles não vale o que está escrito? Familiares e amigos religiosos vão fingir que não é para apedrejá-los até a morte? Ou vamos criar uma "interpretação moderna" do texto só para apaziguar nossas consciências e medos existenciais, ignorando o fervor intolerante e discriminatório?
Essa dualidade moral permeia muitas coisas nas escrituras "sagradas", mas as pessoas preferem não pensar no assunto.
Não acho possível conciliar uma posição moral e ética sólida com escolher, ao seu bel prazer, no que se vai acreditar e quais regras seguir. Religião não é fast-food com menus adaptáveis. Ou se acredita ou não se acredita. Ou se é religioso, ou não é.
Eu não consigo fingir que acredito em algo moralmente indefensável só para ter conforto espiritual ou tentar justificar algo que a ciência (ainda) não explica.
Mas, pelo que observo e entendo de mundo (ou de Brasil), estou em minoria.
Uma minoria que cresce rapidamente, mas ainda minoria.
Minha esperança é o mundo convergir mais rapidamente para o padrão Escandinávia-norte da Europa-Japão-Coréia do Sul: na média, 40% se declaram 100% ateus nesses países.
Graças a deus!
PS: para informações gráficas detalhadas sobre crença religiosa em diversos países, clique no link abaixo
Alguns apontamentos.
A Ciência progrediu ao desafiar as leis: "é assim porque é assim" e "é pela vontade de Deus".
"Deus" ainda é o grande desafio da da ciência. Demonstrar sua existência ou não.
Utilização da expressão Deus ou seu equivalente pela religião tem a função de privar as pessoas de pensar.
Não confundir "Deus" da religião com fé. Fé é concentração de energia. Tudo é energia.
" Graças a Deus" é uma expressão popular para substituir o " ainda bem" e de forma cordial.
Não acreditar que existe uma ordem superior, que rege o universo, que pode receber o nome Bondyé, Deus, Grande Arquiteto do Universo, Jeová, Odin, Olorum, Oxalá, Zeus etc., por não conseguir decifrar a sua regência…