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Foto do escritorMarcelo Costa Santos

Breves cenas de uma pandemia (mas poderiam não ser…)

Atualizado: 24 de out. de 2023

Conversa com o fisioterapeuta pós feriado de 21/04:

  • o que você fez no feriado, Marcelo?

  • fiquei em casa bundando, não fiz quase nada. E você?

  • eu também, bem, quase…. ‘Cê sabe, eu vivo sozinho e vou amontoando a roupa lavada num canto. Mas chega uma hora que tenho que guardar, né?


Olhando para minha aliança de casado, completou: … mas você é casado e não tem mais esse problema, né?


Fiquei em silêncio profundo, quase traindo minha indignação passiva, ponderando se confrontava o rapaz de 27 anos do interior de São Paulo ou se continuava quieto.


Resolvi ficar calado, pensando como o Brasil ainda está na virada do século 19 para o 20. O machismo tão profundamente arraigado no consciente coletivo, subliminarmente, sem as pessoas – mulheres também – se darem conta.


Chegando de volta em casa me deparo com um aviso no elevador de “serviço”, outra aberração do Brasil. Afinal, não podemos correr o risco de compartilhar espaços com nossos servis servos.


O aviso, importantíssimo, solicitava a todos os moradores separar os vidros em sacos exclusivos para evitar acidentes de manuseio nos faxineiros que recolhem o lixo reciclável dos moradores.


Adoro o conforto de não ter que descer ao “vidrão” e outros contentores para colocar o lixo fora, como na Europa ou Israel, debaixo de chuva, frio ou sol. Mas sempre fico constrangido com isso, com uma culpa latente que é rapidamente afogada pela comodidade cotidiana.


Mas o pior nem era isso, obviamente, mas um trecho do texto que me deixou estarrecido: “pedimos aos moradores que instruam suas empregadas para tomar o mesmo cuidado”.


Espera aí, elas são as que mais usam o elevador… quase todas sabem ler e escrever… e então!?!


Considerei vandalizar o aviso, mas me lembrei da câmera no elevador e deixei para lá, pensando em como o Brasil ainda está na virada do século 19 para o 20. A escravidão ainda tão presente numa sociedade profundamente racista e elitista, e sempre degradante.


E entrei no apartamento, constrangido por ser lembrado em dois pequenos eventos do meu profundo privilégio cotidiano.


Afinal, minha empregada sabe ler, separa meu lixo e guarda minhas roupas… só me restou ficar com uma vergonha dissimulada e me desculpar, em silêncio, pelos outros.




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