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Foto do escritorMarcelo Costa Santos

Madrid - Ou Como me Apaixonei pela Europa


Madrid sempre terá um lugar especial no meu coração e na minha alma.


Recentemente, um grande amigo me mandou uma notícia antiga, de 1985, sobre a inauguração do aeroporto de Guarulhos e, sem que eu percebesse, abriu-se uma torrente imparável de memórias profundas, queridas e fundamentais na minha vida.


Eu fui para a Europa em 18/04/1985 quando Guarulhos, oficialmente inaugurado, ainda estava em obras e voos internacionais diretos só saiam de dois aeroportos: Galeão e Viracopos.


Na primeira vez que fomos para Portugal, em 1975, o voo seguiu o trajeto de sempre: Congonhas, Galeão, Lisboa, Porto.


Dez anos depois e lá estava eu de novo, começando a maior aventura da minha vida.


Só que meu voo saia de Viracopos e portanto fiz o que se fazia na época: fomos até Congonhas.


Bem no final do aeroporto, do lado direito, tinha uma espécie de prédio autônomo (é mais ou menos onde é hoje a saída do desembarque). Lá havia guichês de companhias aéreas, uns poucos - parecia um aeroporto de cidade do interior - onde se fazia o check-in, se despachava as malas e se fazia o controle de passaportes.


Para embarcar passávamos ao lado dos guichês e íamos à pé em direção à pista onde estava um ônibus de viagem. Sim, era uma viagem rodo-aérea!


Após colocarem as malas no ônibus - já devidamente etiquetadas até o destino final! - me despedi da enorme entourage que foi me ver partir, entre familiares e amigos havia umas 20 pessoas.


Começava minha aventura europeia em viagem rodoviária até a pista de Viracopos.


Lá estava o avião da Lan Chile, que vinha do Chile na rota Santiago-Viracopos-Madrid-Londres.


Mega frio na barriga, eu um menino de 18 anos recém completados, sem falar inglês e sem nenhuma experiência internacional solo.


Meus planos, que haviam começado dois anos antes, estavam dando certo. Tudo começou com a troca de um carro, que eu ganharia aos 18 anos, por dinheiro para viajar.


Meu avô Armando havia prometido um carro para todos os netos quando completassem 18 anos e, como neto mais velho que queria ir para Londres aprender inglês, ter aventuras e viajar pela Europa, eu o convenci a me dar o equivalente em dinheiro.


Um Fusca usado em meados dos anos 80 custava cerca de US$2.000. E foi exatamente isso que ele me deu.


Só que eu não tinha feito a minha lição de casa e entrei em desespero ao descobrir que só a passagem da Varig, Congonhas-Galeão-Londres, custava a bagatela de US$4.000. Econômica!!! Depois de muito procurar, descobri a da Lan Chile, que custou US$1.600.


Meu pai me deu uma moto (Honda CG 125 amarela!) de presente de formatura do colegial técnico (fiz ETI Lauro Gomes, eletrônica), trabalhei uns meses como estagiário de uma empresa que pagava super bem e ganhei mais uns trocos da família. Isso me deu US$1.300 para levar na viagem. Ou seja, tinha que chegar em Londres e logo começar a trabalhar. E, lembrando, sem falar nada de inglês. Mais frio gélido na barriga.


Dia 19/04, de manhã bem cedo, já estava em Madrid, onde fiquei no albergue de estudantes por três dias.


Deixei minha mala no guarda-bagagem da estação de ônibus no centro da cidade, já que no aeroporto não tinha um, possivelmente por medo de bombas do ETA. "Bons tempos" quando os terroristas na Europa eram os separatistas e radicais de esquerda! Mal sabíamos o que estava por vir.


Já no trajeto entre a estação e o albergue fiquei em choque ver aquela cidade incrível, que me deixa embasbacado até hoje com sua beleza e imponência.


Madrid foi minha porta de entrada para a Europa, continente que hoje considero minha casa, e tem um lugar muito especial no meu coração e memória.


Os cheiros, a arquitetura, a novidade da segurança de andar pelas ruas (SP já estava muito violenta em 1985), os carros tão diferentes dos que tínhamos no Brasil, as hordas de jovens - no máximo da minha idade - andando de Vespa sem capacete no ar gélido da primavera, os museus (fui ao Prado só para ver o Hieronymus Bosch, por recomendação expressa de um amigo, e fiquei impressionadíssimo com o "resto" das coisas), as minhas conversas em "portunhol de alta qualidade” com um mexicano que andou comigo para cima e para baixo em Madrid (nos conhecemos no albergue), minhas tentativas em vão de falar com os australianos que conheci no albergue (ou pelo menos entender alguma coisa...), minha frustração ao ir - na última noite, depois de economizar comendo sanduíches de omelete com batatas - jantar num restaurante chinês e descobrir que comida "chinesa brasileira" não existe na Europa. E tantas coisas mais.


Minha estada, com a passagem de trem ida e volta para o Porto, albergue, comidas, jantar no chinês e tudo, custou US$50. A preços de hoje seriam US$150. Fico pensando até hoje como fui capaz de aproveitar tanto com tão pouco... Nada como ter 18 anos!


Nos seis anos iniciais na Europa, até voltar para o Brasil em 1990, esses possivelmente foram os 3 dias mais incríveis, mais intensos que tive, marcando de forma indelével a minha alma, criando a pedra fundamental que fez da Europa o local onde hoje me sinto em casa, onde de fato sinto que pertenço.


De lá peguei o trem para o Porto, para ver minha família.


No caminho fui acordado duas vezes de forma inusitada; uma assustadora, outra emotiva.


No meio da madrugada eu acordo sozinho no compartimento do trem, que estava totalmente escuro, um breu só, sentindo um cheiro fortíssimo de cigarro espanhol (daqueles "arranca-peito") e só vejo o lume do cigarro do outro lado do meu assento, moldando o vulto de um homem. Nem sei como não gritei de susto, mas dei um pulo enorme, apavorado, e liguei as luzes do compartimento. A primeira coisa foi checar se minha sacola estava no bagageiro em cima de mim. E lá estava. Chequei meu cinto com os travellers-checks e meu passaporte. E lá estavam eles também.


O fulano, além de continuar a fumar e ser muito mal encarado, ficava me olhando de forma esquisita. Tentei dizer que o compartimento era 'não fumador' e ele nem deu atenção, quase não falando nada no meio daquele olhar meio doentio, talvez só curioso com um menino viajando sozinho no meio da noite. Para minha sorte, ele logo saiu, pois veio o bilheteiro e pediu que ele parasse de fumar.


Um pouco mais relaxado, mas ainda a muito custo, consegui dormir de novo, agora abraçado com força à minha sacola, somente para ser acordado pelo policial de fronteira logo antes de entrar em Portugal: era madrugada do dia 22 de abril e ele, ao ver meu passaporte brasileiro, me disse que 'meu presidente' Tancredo Neves havia morrido no dia 21. Esperei ele sair e fiquei chorando baixinho, com um pesar profundo: como quase todo mundo num Brasil que saia à muito custo de 20 anos de ditadura, eu também queria um messias sebastianista que nos redimisse. E agora o desfecho tão esperado havia acontecido. Eu tinha apostado que o Tancredo já estava morto há vários dias no hospital, mas só iriam anunciar o fato no dia de Tiradentes, 21 de abril. Mesmo assim tive um baque emocional inesperado, alimentado com certeza pelo forte estresse positivo e negativo que havia vivido desde o dia 18.


Entrocamento, Coimbra e Aveiro passaram rápido pela janela. Lá na estação de Campanhã, no Porto, estava minha tia Marisa à minha espera para o começo de outra aventura, essa de muito amor e de reconexão instantânea com a minha família.


E de ver pela primeira vez como adulto, se é que um menino de 18 anos pode ser chamado de adulto, a cidade que eu tanto amo.


Mas isso é história para outro dia.

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