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Saudades do Futuro

Atualizado: 24 de out. de 2023

Recentemente, um grande amigo de São Paulo me mandou um artigo, extremamente cáustico e crítico, sobre nossa cultura cartorial e como os testes da vacina de Oxford estarem sendo feitos no Brasil é um quase milagre.


Ele, que sempre rebatia minhas críticas pesadíssimas ao Brasil – minha eterna descrença com nosso futuro que teima em não chegar, lentamente começou a me dar razão e agora vem catequizar o catequizador.


Mas não me importo, pois todo convertido – não interessa a religião ou o assunto – tem o ímpeto e a certeza da descoberta, o desejo de converter os outros. E o sei pois já fui convertido, mais de uma vez, e o serei de novo, certamente.


Mas quando o assunto é Brasil não tenho mais o mesmo interesse. Estou cansado, profundamente exausto, de ler, ouvir ou saber das nossas confusões provincianas. São sempre as mesmas brigas entre nossa esquerda tosca, que defende privilégios absurdos, e nossa direita, mais tosca ainda, que defende o fim dos privilégios dos outros, enquanto ambos saqueiam felizes o Estado e o país.


Quando vejo o noticiário vem a incômoda sensação que somos uma gigantesca matilha ladrando para uma lua minguante enquanto o resto do planeta segue em frente. E nós, alheios ao mundo real além-mar, afônicos de tanto ladrar, voltamos com uma felicidade superficial e fugaz para nosso canil que consideramos um paraíso.


Depois de 6 anos fora, eu voltei para cá em outubro de 90 acreditando que o país, em plena correção dos desvarios do Collor, iria achar seu rumo e virar gente grande. Ledo engano, mas eu seria hipócrita se reclamasse de minha vida aqui, mesmo temendo ser assaltado todos os dias, triste por ver a destruição de nossas praias e de nossas matas, frustrado de ver tantas novas favelas e tanta gente miserável ainda miserável após três décadas.


Nesses 30 anos eu pude conviver de perto com meu pai e minha família brasileira como não teria feito do hemisfério norte. Também conheci minha namorada – hoje esposa, logo que cheguei, e descobri o que é ganhar na loteria sem nunca ter jogado.


Pude ter uma vida profissional que, mesmo tumultuada em alguns momentos, me deu e dá prazeres e muitas alegrias. Mais importante, meus filhos puderam passar pela infância muito próximos aos avós, um privilégio que só quem teve avós na infância entende plenamente.


Mas recentemente eu tenho me lembrado muito de outro grandíssimo amigo, esse lisboeta e de além-mar, que nos anos 80 me disse que os portugueses eram tão melancólicos que até saudades do futuro tinham. Ele, que sempre foi super animado e me acordava às 02:00 da manhã no meio da semana para irmos para a balada – numa época que isso implicava em acordar toda a casa, estava frustrado com a calma do Porto num Portugal tristonho pós-salazarista que tanto mudou nos últimos 30 anos, em claro contraste com o Brasil.


Desde então eu me apropriei da frase dele e passei a usar sempre que cabe na conversa.


E ultimamente o conceito tem me voltado com força e mais frequência, numa explicação quase fácil para meu desânimo com tudo que seja relacionado ao país, meu luto com o Brasil. Mas não só, o conceito também tem servido para explicar outras dores mais doídas.


De fato, tenho tido saudades profundas do futuro.


Do futuro que nunca teremos no Brasil. Do futuro melhor que continuará a ser negado à maioria dos brasileiros. Do futuro com meu pai que nunca acontecerá. Do futuro dos meus filhos que meu pai não poderá ver. Do futuro sem meu amigo Valtinho, que nos deixou tão antes da hora. Do futuro sem todas as pessoas queridas que já passaram pela minha vida nos países onde morei e com as quais perdi contato, por qualquer razão.


Não sou, nem tampouco estou, infeliz ou deprimido.


Longe disso, só estou com saudades profundas do futuro…





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