Recentemente, e pela milionésima vez, tive que ouvir pessoas inteligentes falarem sobre o tal “ouro roubado” pelos portugueses.
Haja paciência.
Em primeiro lugar, vamos quantificar e explicar algumas coisas:
Não existia ouro brasileiro, uma vez que o Brasil não existia, sendo uma mera extensão colonial de Portugal;
A Coroa Portuguesa se apropriava de 20% (o tal “quinto”) do ouro aqui produzido, o resto era dos produtores. A Inconfidência Mineira se deu justamente pela cobrança dos 20% não pagos pelos portugueses que moravam na região das minas (hoje mineiros/brasileiros em Minas Gerais). Os Inconfidentes não queriam a independência tanto quanto queriam sonegar impostos, legando um traço cultural que hoje domina o Brasil, mais de 200 anos após a independência de Portugal;
Estimativas históricas calculam o total de ouro levado pela Coroa inferior a um milhão de toneladas. As duas estimativas mais usadas pelos historiadores estão entre 800 e 950 toneladas. Ou seja, o valor do ouro a preços correntes seria de aproximadamente US$60 bilhões;
Em termos de PIB brasileiro, isso se traduz em meros 3%. Servidores do setor público custam 3x esse montante (8.9% do PIB). Todos os anos! Se fosse possível demitir todos os funcionários públicos, em meros 4 meses já teríamos todo o “ouro português” devolvido ao povo brasileiro. Tome nota, por favor, Ministro Dino;
Por fim, para efeitos comparativos, a Petrobras, já sob a influência política do governo PT, teve receitas de US$25 bilhões em 9 meses de 2023, com um EBITDA de US$13 bilhões. Isso só de uma empresa estatal;
O déficit do Governo brasileiro em 2023 foi de US$194 bilhões (3.2x o "ouro dos portugueses") e, em compensação, temos 6% da população (quase 13 MM de pessoas) em situação de extrema miséria;
Posso continuar a desfiar inúmeras estatísticas horrorosas sobre a real situação do país, como o enorme desperdício de recursos e os privilégios indecentes, amorais e injustificáveis das elites, mas são os US$60 bilhões do “ouro português” que são importantes...
Em segundo lugar, vamos ao aspecto psicológico ou ethos da afirmação-mimimi.
Fico profundamente irritado com esse cacoete-mimimi de brasileiros, pois as pessoas nem percebem que, no fundo, estão usando o argumento do filho preguiçoso e festeiro, alcoólatra e viciado em drogas, corrupto e amoral, violento e incompetente, com 50 anos de idade mas que ainda culpa os pais e sua educação pelas suas ações e seu retumbante fracasso.
Há dois tipos básicos de desculpas esfarrapadas para o profundo atraso, miséria e desigualdade obscenas do Brasil.
Pessoas de esquerda geralmente colocam a culpa no imperialismo dos ingleses ou dos EUA, não entendendo que economia não é jogo de soma zero (eles acreditam, por total e profunda ignorância, que pobres existem por serem “roubados” pelos ricos. Surreal o estrago que Karl Marx ainda causa em pessoas inteligentes).
Já as de direita, com poucas variações sobre o tema, culpam os portugueses, como se a colonização fosse a “Mãe de todos nossos problemas”. Sei que modelos de colonização são fundamentais para desenhos societais e sua herança é parte significativa na História dos países ou regiões (sul dos EUA vs. norte, por exemplo). Mas usar isso como desculpa para a pobreza atual beira a infantilidade intelectual.
Curiosamente, para ambos os grupos a culpa é sempre dos outros, nunca nossa.
Se colonização fosse destino, Botswana não teria se reinventado da forma que o fez em 50 anos: de país miserável a único caso inequívoco de sucesso na África. Eles – e mais ninguém – escolheram como e onde investir os ganhos que obtiveram com as minas de diamante, mesmo com um acordo desfavorável com a De Beers, fazendo seu PIB per capita sair de US$160 em 1970 para US$7.200 em 2021, pouco menos do que os US$7.700 do Brasil no mesmo ano. Incrível!
Botswana é um tapa na cara – diário e muito ardido – para os brasileiros que ficam choramingando sobre os imperialistas ou sobre o ouro roubado: mostra o que é possível fazer sem mimimi, quando não se culpa os outros, se faz escolhas certas e se põe a mão na massa.
Pior, se colonização pelos ingleses, franceses ou EUA também fosse garantia de sucesso, a Nigéria seria a Suíça, os países do Magrebe idem e as Filipinas seriam Cingapura.
Pessoas em autoengano e aderentes ao eterno mimimi não aceitam facilmente serem chamadas às suas reais responsabilidades.
Portanto, vamos ser claros, explícitos:
O “ouro roubado” (sic) é irrelevante economicamente e, quando usado como desculpa – qualquer que seja a razão, diz mais sobre a pessoa do que sobre Portugal;
Os portugueses não mandam mais no Brasil desde 1822;
O Brasil é pobre exclusivamente por suas escolhas e por sua total incompetência. Os “pais” já morreram há mais de duzentos anos e ainda é culpa deles?
Chega de mimimi e assuma seus erros, Brasil!
Tire a bunda da cadeira, faça escolhas acertadas e vá trabalhar.
Basta!
Até quando vamos colocar a culpa nos outros?
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